A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de nº 442, ação de natureza constitucional proposta pelo PSOL, tem como objeto de análise a recepção e aplicação integral dos arts. 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, o que, na visão de seus autores, lesa preceito fundamental insculpido na Constituição da República, sobretudo no que se refere à dignidade da mulher que, submetida ao atual sistema jurídico, tem lesados seus direitos reprodutivos e de autodeterminação. Como solução a essa situação, pretende o Partido Autor que a Corte Constitucional (STF) descriminalize a prática do aborto, desde que praticado em até 90 dias da concepção, prazo que este autor entende completamente aleatório e que não encontra referência em nenhuma norma nacional que toque sobre o tema.
Vê-se que o cerne da demanda, portanto, reside no confronto de direitos fundamentais: 1 – o do nascituro – aquele que foi concebido e que está em formação no útero materno e que tem seus direitos resguardados desde a concepção pela CF/88 e pelo Código Civil e; 2 – o da mulher, que, na visão do Partido Autor, busca ver garantida sua autodeterminação e, por conseguinte, sua dignidade, na medida em que, sendo julgada procedente a ação, não se verá coagida a sujeitar-se a uma gestação indesejada.
A Relatora da ADPF, Min. Rosa Weber, proferiu voto com extensa fundamentação, sobretudo utilizando como suporte teórico a legislação e experiência de outros países que já decidiram pela descriminalização pretendida, acatando assim, parcialmente, o pedido, para declarar a não-recepção integral dos art. 124 e 126, do CPB, seguindo linha do que fora decidido na ADPF 54 que versou sobre a possibilidade de aborto de nascituros anencéfalos.
Antes, porém, a Ministra convocou audiências públicas para que pudessem se manifestar os mais diversos segmentos da sociedade civil, a exemplo de entidades religiosas; peritos; cientistas, etc. Manifestaram-se ainda: a Presidência da República – PR; o Advogado Geral da União – AGU; o Procurador Geral da República – PGR; a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
Tanto o Congresso Nacional (Câmara e Senado) como a Presidência da República, além do PGR, se opuseram à que esse tema fosse objeto de decisão a ser proferida pelo STF, advertindo-o que, se assim o fizesse, estaria legislando positivamente e, portando, usurpando função constitucional que não lhe é típica num sistema de tripartição do poder. Reiteraram que a questão do abortamento deveria ser discutida e decidia pelo Congresso Nacional que tem legitimidade para tanto. Além disso, defenderam que, no conflito aparente de direitos fundamentais, chegava-se à inevitável conclusão que o direito à vida do nascituro guarda maior importância e, portanto, merece maior proteção que o direito de autodeterminação da mulher. Não é por outra razão que os arts. 124 e 126, do Código Penal Brasileiro estão inseridos na seção que trata dos “Crimes Contra A Vida”. Enquanto não se estabelecer um marco legal para o início da vida – que para este Autor parece lógico quando inicia – prevalece o entendimento que se dá a partir da concepção.
Processualmente, o STF garantiu a todos os interessados que se manifestassem sobre o tema a ser decidido. Todos os atos processuais exigidos para o processamento da ADPF foram seguidos, quanto a isso não há qualquer dúvida. Ainda assim podemos questionar se esse rito nos fornecerá uma decisão justa sobre tema tão sensível. Julgamento foi suspenso pelo pedido de vistas de um dos Ministros da Corte. Breve teremos uma decisão.
Por derradeiro, entende este Autor que o STF não poderia se imiscuir em questão afeta ao Congresso Nacional, atuando como se legislador fosse. O ativismo judicial, ainda que permeado por boas intenções, é indesejado e fere a segurança jurídica.
Marcelo Souza é advogado, sócio do Escritório Souza e Atem Advocacia Empresarial. Presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/AM.
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