Vamos falar sobre o filho da sua empregada doméstica?

09/04/2024 as 6:45 pm

Todas as formas de trabalho infantil são proibidas para crianças e adolescentes com menos de 16 anos de idade (Art. 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal de 1988). A regra acima só comporta uma exceção: a Aprendizagem Profissional, a partir dos 14 anos.

A criança explorada em seu “trabalho de brincar” com o filho do patrão vivencia uma situação complexa. Por um lado, pode ser vista como privilegiada por ter acesso a recursos e conforto que outras crianças não têm. Por outro lado, ela é frequentemente privada de uma infância genuína ao ser forçada a atuar como adulta em miniatura, muitas vezes sem liberdade, e sem poder simplesmente brincar e explorar o mundo ao seu redor.

Essas crianças podem ser pressionadas a se comportar de maneira adulta, a cumprir responsabilidades que não condizem com sua idade e a suprimir sua natureza lúdica e curiosa. A pressão para corresponder às expectativas do status social da família pode resultar em uma perda significativa da infância genuína.

É urgente reconhecer que todas as crianças merecem a oportunidade de serem apenas crianças, independentemente de seu contexto socioeconômico. É necessário que todas as crianças tenham tempo para brincar, aprender e crescer de forma saudável é essencial para o seu desenvolvimento integral.

A prática de “contratar” uma criança para brincar com o filho do patrão é uma realidade triste; reflete desigualdades sociais e econômicas profundas, e que de acordo com os professores André Viana Custódio e Josiane Rose Petry Veronese, autores do livro Trabalho infantil – a negação de ser criança e adolescente no Brasil, remonta ao tempo em que as primeiras embarcações portuguesas chegaram às costas brasileiras… Muitas vezes, a criança contratada para essa função é proveniente de famílias em situações vulneráveis, e a necessidade econômica as leva a aceitar esse tipo de trabalho.

Essas crianças podem ser privadas de sua própria infância, sendo forçadas a colocar as necessidades e desejos do filho do patrão acima dos seus. Além disso, essa prática reforça dinâmicas prejudiciais de poder e exploração, perpetuando desigualdades sociais e negando a essas crianças a oportunidade de brincar de acordo com suas próprias vontades e necessidades.

É imperativo reconhecer a dignidade de todas as crianças e garantir que elas tenham o direito de brincar livremente, sem serem exploradas ou submetidas a situações injustas. Promover condições igualitárias para todas as crianças é essencial para construir um mundo mais justo e inclusivo.

A exploração do trabalho infantil, incluindo a prática de contratar crianças para brincar com o filho do patrão, está enraizada em desigualdades sociais históricas que têm paralelos perturbadores com a escravidão. Tanto na escravidão quanto na exploração do trabalho infantil, crianças são privadas de sua liberdade, dignidade e direito fundamental de ter uma infância plena.

Na escravidão, as crianças eram frequentemente forçadas a trabalhar desde tenra idade, sendo-lhes negada a oportunidade de brincar e desenvolver-se de maneira saudável. Da mesma forma, ao contratar uma criança para brincar com o filho do patrão, ela é privada da oportunidade de desfrutar de uma infância genuína, sendo forçada a se submeter aos desejos e expectativas alheias.

Ambas situações refletem a desumanização e a negação dos direitos fundamentais das crianças, perpetuando um ciclo de exploração e desigualdade. É essencial reconhecer esses paralelos e trabalhar ativamente para erradicar todas as formas de exploração infantil, garantindo que todas as crianças tenham o direito de brincar, aprender e crescer em um ambiente seguro e saudável.
Todas as formas de trabalho infantil são proibidas para crianças e adolescentes com menos de 16 anos de idade (Art. 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal de 1988). A regra acima só comporta uma exceção: a Aprendizagem Profissional, a partir dos 14 anos.

No passado, meados das décadas de 1960 a 1980, as domésticas eram, geralmente, contratadas para dormir no emprego e, para esse trabalho, levavam os filhos e filhas que as auxiliavam em suas funções. Crianças colocavam os pratos e talheres a mesa, limpavam e varriam o chão, retiravam o lixo e brincavam com os filhos dos patrões sem qualquer remuneração ou agradecimento. Alguns conquistavam, até, o status de filhos de criação, mas esse será assunto de um outro texto.

Luiza Simonetti, advogada militante e ativista dos direitos das crianças e adolescentes, presidente da Comissão de Direito de Familia e Adoção da OAB-AM, Mãe do Enzo, do Theo e da Eliza, madrasta apaixonada pela Manu e Bernardo.

Instagram: @luiza.simonetti.adv

Foto: istockphoto

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