Herman Melville ficou famoso por seu livro Moby Dick do qual já fizemos uma análise, mas escreveu outros livros. Em O Escrivão Bartleby, nos apresenta a curiosa figura de um funcionário que, de maneira inesperada e silenciosa, desafia a estrutura do trabalho tradicional. Bartleby é um escrivão que atende um anúncio de emprego e começa a trabalhar em um escritório de advocacia. Este escritório vive em meio a questões de hipotecas e títulos de propriedade com uma rotina extremamente metódica e burocrática, mas Bartleby se candidata e é aprovado. Seus companheiros de trabalho são: Nippers e Turkey, Nippers vive irritado e Turkey vive bêbado, mas ainda assim o escritório segue com suas atividades. De início Bartleby realiza suas funções sem maiores problemas. No entanto, ao ser solicitado para tarefas adicionais, sua resposta é sempre: “Eu preferiria não fazer”. Essa frase, aparentemente simples, carrega um profundo peso de resistência passiva. A atitude de Bartleby vai se repetir até o final do livro começando com uma percepção de indisposição pelo dono do escritório, mas com sucessivas recusas a perplexidade do chefe se transforma em frustração, mas também em uma estranha compaixão. Bartleby se recusa a explicar suas razões, resistindo não com violência ou revolta ativa, mas com uma passividade devastadora que lentamente subverte a ordem do escritório. Sua resistência culmina em um afastamento completo do mundo ao seu redor, com consequências trágicas.
A recusa de Bartleby gera um efeito dominó de consequências pessoais e profissionais. Inicialmente, a passividade é tolerada, mas à medida que se intensifica, a relação com seu chefe e com o ambiente de trabalho se deteriora. Profissionalmente, sua atitude leva à sua marginalização e, finalmente, à exclusão completa do espaço de trabalho, isolando-o em sua própria apatia.
No campo pessoal, a insistência de Bartleby em “não fazer” revela um vazio existencial. Ele se recusa a participar das engrenagens sociais e profissionais, e essa postura o coloca em uma rota de colapso. A falta de propósito ou motivação parece consumir sua própria vontade de viver, e sua desconexão com o mundo leva ao seu triste fim. A história ilustra o peso da apatia e do afastamento do convívio social, algo que vai além da simples recusa ao trabalho.
Melville não deixa bem claro o porquê da recusa de Bartleby em executar as atividades mas sabemos que sua recusa passiva à ação, sua indiferença à conformidade e seu afastamento do convívio humano servem como um alerta sobre os perigos de uma sociedade que, ao evitar o desconforto e os desafios, pode estar criando indivíduos que, diante da primeira dificuldade, prefeririam não fazer.
Esse jeito “Bartleby” de ser está impregnado nas nossas gerações que, em alguns casos, também demonstram resistência ao conformismo das expectativas sociais e profissionais. O “Eu preferiria não fazer” de Bartleby pode ser comparado ao crescente sentimento de recusa entre os jovens que se veem pressionados por padrões impostos por gerações anteriores — seja na família, na escola ou no mercado de trabalho.
Com um “bolha” de superproteção, muitos jovens cresceram em ambientes que minimizam o fracasso e onde os desafios são, muitas vezes, suavizados. Pais e professores, em busca de proteger, acabam por criar uma geração repleta de recursos tecnológicos onde a frustração é evitada a qualquer custo e ao se depararem com ambientes profissionais tóxicos ou altamente exigentes, optam por “não fazer”. A consequência disso pode ser alguém como Bartleby que se sente desconectado de um mundo que exige conformidade e produtividade, preferindo o afastamento passivo ao enfrentamento dos desafios.
O Escrivão Bartleby é um livro curto, um conto na verdade foi mais uma prova de que Melville também sabia criar estórias do dia a dia, uma reflexão sobre os limites da apatia e da resistência passiva e das tolices isto há mais de um século e quem diria que isto se tornaria lugar comum hoje em dia.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
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