Jack London é um dos grandes autores da literatura norte-americana e criou obras como O Chamado Selvagem e Caninos Brancos, tendo sempre como mote a aventura e a natureza selvagem da América, mas em 1912 lançou o livro A Praga Escarlate uma narrativa poderosa sobre a destruição da civilização por uma doença devastadora. Esse romance trata da fragilidade da sociedade moderna diante de uma pandemia global, e suas implicações são assustadoramente atuais.
De forma impressionante Jack London ambienta a sua história no futuro no ano de 2073, sessenta anos após a “Praga Escarlate” dizimar a maior parte da população humana. O protagonista é um velho, antigamente um professor de literatura, chamado James Smith, que sobreviveu à epidemia e agora tenta transmitir a história da catástrofe a seus netos, que vivem em uma sociedade primitiva, repleta de superstição e brutalidade. A praga, que se espalha rapidamente e mata suas vítimas em poucas horas, deixa a humanidade desorganizada e reduzida a um estado quase animal.
Ao longo do romance, Smith relembra o colapso da civilização, o caos nas cidades e como as pessoas reagiram com desespero, egoísmo e violência. Ele reflete sobre como a cultura e o conhecimento que a humanidade levou milênios para construir foram rapidamente desfeitos pela doença. Seus netos, que não conseguem compreender o mundo sofisticado e tecnológico que existiu antes da praga, são os representantes de uma geração que cresceu em uma realidade onde o conceito de civilização desapareceu.
Lógico que a praga é uma analogia para explorar temas sobre a vulnerabilidade da civilização, a natureza humana e a inevitabilidade da decadência social diante de um colapso. O texto vai muito na esteira dos acontecimentos recorrentes de pandemias ao longo da história humana, desde a Peste Negra até a gripe espanhola, e como essas crises forçam a sociedade a confrontar o que há de mais sombrio em nós.
A descrição da disseminação da doença é brutal e direta: “O terror estava em todos os rostos. As ruas estavam congestionadas com veículos de fuga”. London cria uma atmosfera de pânico e desespero, destacando o medo e a alienação que tomam conta das pessoas. O velho Smith lamenta como a humanidade regrediu a um estado de barbárie, mas Jack London acerta porque somos assim. Tudo se desintegra quando há uma crise, guerra ou pandemia e a humanidade age de forma egoísta e as pessoas se tornam indiferentes às necessidades e à sobrevivência dos outros durante a praga.
Smith descreve a perda de humanidade quando “cada um por si” se tornou o lema, e o autor nos lembra que, em tempos de crise, as normas e a moralidade podem se desintegrar rapidamente. London conclui que aquilo que chamamos de civilização é apenas um fino véu que pode ser dilacerado com facilidade quando confrontado com o medo e a morte.
O romance de Jack London ressoa profundamente com a nossa experiência contemporânea, especialmente após a pandemia da COVID-19. O medo do desconhecido, a impotência diante de uma ameaça invisível, e o impacto duradouro no comportamento humano. Assim como os personagens de A Praga Escarlate, nós também testemunhamos como, em tempos de pandemia, o egoísmo se intensifica, com pessoas acumulando suprimentos, buscando apenas a própria segurança e, muitas vezes, ignorando o bem-estar coletivo.
O romance também versa sobre a preservação do conhecimento e o que aconteceria se o saber acumulado ao longo dos séculos fosse perdido. Smith, um dos últimos homens a lembrar da antiga civilização, luta para transmitir a história e a cultura que definiram a humanidade para seus descendentes. As gerações pós-praga, incapazes de entender o passado, se tornam reféns da brutalidade e ignorância de um novo mundo primitivo. London acerta mais uma vez quando mostra que os mais velhos guardam uma riqueza cultural e moral em comparação com as novas gerações hedonistas e disruptivas.
London assinala trechos prenunciando: “O terror estava em todos os rostos. As ruas estavam congestionadas com veículos de fuga. O transporte ferroviário já havia parado, e eu vi homens a pé, carregando suas posses nas costas.” Ou então cravando o fim da experiência humana: “A civilização estava morta, o grande sonho havia acabado. E nós, sobreviventes, éramos fantasmas andando pelas ruínas de um mundo que não entendíamos mais.”. E conclui: “Cada um por si. Isso se tornou o lema. Não havia mais regras, não havia mais lei, exceto a lei do mais forte.”
Além deste livro Jack London escreveu outros romances que povoaram a imaginação e cultura dos EUA sempre no gênero da aventura. Aproveite agora e conheça a Praga Escarlate e outras obras de Jack London.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
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