No livro O Mundo Pós-Ocidental: Potências Emergentes e a Nova Ordem Global, o cientista político Oliver Stuenkel traça um panorama sobre a transição da hegemonia ocidental para uma ordem multipolar, onde potências emergentes como China, Índia, Brasil e Rússia desempenham papéis cada vez mais decisivos. Tenta explicar também como os Estados Unidos e seus aliados tradicionais enfrentam desafios crescentes enquanto novos atores questionam a legitimidade de uma ordem global centrada no Ocidente.
Stuenkel aposta todas as suas fichas no fato de que os Estados Unidos não serão mais os líderes no jogo de poder mundial, o que ele chama de Ocidentocentrismo está chegando ao fim. Tudo aponta para um deslocamento do eixo do poder para o Oriente!
O autor interpreta a transformação da dinâmica global, explorando conceitos como o eurasianismo, as ambições chinesas de Xi Jinping e as tentativas de Putin de restaurar a influência da Rússia. Ele combina dados históricos, exemplos contemporâneos e reflexões teóricas para construir uma narrativa sobre o colapso da hegemonia ocidental e a ascensão de potências emergentes. Seus argumentos vão desde o enfraquecimento do dólar como moeda de referência global e os desdobramentos da Guerra da Ucrânia, conectando esses tópicos a uma visão mais ampla sobre a geopolítica contemporânea.
Apesar do livro ter sido lançado em 2018 Stuenkel analisa as ações da Rússia na anexação da Crimeia e que, mais tarde em 2022, resultaria na invasão do Leste da Ucrânia na região do Donbass e nos enclaves de Lugansk e Donetsk. Desde então a Rússia dobrou a aposta e expandiu as suas ações no Heartland mundial, então a guerra na Ucrânia passa a ser um ponto de inflexão para a geopolítica global. Stuenkel argumenta que o conflito acelerou a fragmentação do sistema internacional, revelando tanto a fraqueza quanto a resiliência das democracias ocidentais. Ele também aponta como as sanções econômicas impostas à Rússia impulsionaram esforços para a criação de redes alternativas de comércio e financiamento. Isto pode ser notado destacando o crescente impacto de instituições alternativas, como o BRICS e o AIIB (Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), e o declínio da influência de organizações dominadas pelo Ocidente, como o FMI e o Banco Mundial.
A crescente adoção de moedas alternativas, como o yuan, para transações internacionais, enfraquece o dólar e, por consequência, a influência dos EUA. A obra analisa os esforços de países emergentes para criar sistemas financeiros menos dependentes de Washington, ilustrando os impactos econômicos e políticos dessa transição.
Segundo Stuenkel o sistema internacional está se reconfigurando rapidamente. A China, com sua política de Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda), busca remodelar as conexões econômicas e políticas globais, estabelecendo sua influência em regiões estratégicas como a Ásia Central, África e América Latina. A Rússia, por sua vez, tenta reviver sua relevância geopolítica por meio de alianças regionais e confrontos diretos, como o conflito na Ucrânia.
Um capítulo muito importante da obra é dedicado ao modus operandi de Xi Jinping, marcado por uma abordagem calculada e ambiciosa. Xi não apenas projeta o poder chinês através da economia, mas também pelo uso estratégico de instituições internacionais, como o AIIB, e pela busca de supremacia tecnológica. A centralidade da China em discussões sobre criptomoedas, energias renováveis e inteligência artificial também é explorada, evidenciando suas pretensões de liderança global.
A principal força do livro reside em sua capacidade de conectar eventos aparentemente isolados — como a Nova Rota da Seda, a desdolarização e a Guerra da Ucrânia — a um panorama mais amplo de transformações geopolíticas. No entanto, um ponto de crítica pode ser a falta de atenção à complexidade interna das potências emergentes. O autor, em sua ênfase nas oportunidades, subestima os desafios internos que podem limitar a capacidade desses países de liderar globalmente.
Stuenkel deixa uma reflexão crucial: a ordem global como a conhecemos está desaparecendo, mas a forma de seu substituto ainda está em disputa. Enquanto os EUA buscam preservar seu poder, potências como China e Rússia usam todas as ferramentas à sua disposição para moldar um novo equilíbrio de forças. O desafio será encontrar um sistema que acomode essas ambições divergentes sem mergulhar o mundo em caos.
Oliver Stuenkel é um cientista político, escritor e professor que já possui vários livros escritos sobre potências emergentes e política global, é colunista e comentarista frequente na mídia nacional e internacional sobre tópicos relacionados à política brasileira e política externa, relações EUA-China e risco político.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
Foto: Reprodução/oliverstuenkel.com