O período entre guerras que se estendeu entre o fim da Primeira Guerra Mundial, em 11 de novembro de 1918, e o início da Segunda Guerra Mundial, em 1 de setembro de 1939 apesar de trazer o armistício e uma certa paz foi marcado também por muito ceticismo e falta de esperança na humanidade que tinha presenciado os horrores da primeira guerra. Isso é muito bem apresentado nas artes: Cinema, música e literatura.
O Sol Também se Levanta (1926), de Ernest Hemingway, é um retrato da Geração Perdida, termo cunhado por Gertrude Stein para descrever os jovens adultos que sobreviveram à Primeira Guerra Mundial, mas ficaram marcados pela desilusão e pelo vazio existencial. Ambientado na Europa do período entre guerras, o romance acompanha um grupo de expatriados americanos e britânicos que buscam sentido na vida através de prazeres imediatos: festas, álcool, viagens e romances fugazes.
No livro Jake Barnes é um jornalista americano que vive em Paris. Ele e seus amigos, incluindo a sedutora e indecisa Brett Ashley, o escritor Robert Cohn, e outros personagens menores, transitam entre a França e a Espanha em busca de diversão. Paris é apresentada como um epicentro de excessos, com seus cafés movimentados e intermináveis noites regadas a álcool. Quando o grupo viaja para Pamplona, na Espanha, para assistir às touradas e participar da Festa de San Fermín, os conflitos interpessoais atingem o auge, com ressentimentos, traições e paixões não correspondidas. A Espanha oferece, ao mesmo tempo, um cenário de escapismo e um confronto com os dilemas internos de cada personagem. O romance culmina com um senso de resignação e continuidade, sem grandes resoluções, refletindo o desamparo de uma geração inteira.
O período entre guerras (1918-1939) foi marcado por instabilidade social, econômica e política. A Europa enfrentava as consequências devastadoras da Primeira Guerra Mundial: economias destruídas, milhões de vidas perdidas, e uma sensação generalizada de desorientação. No entanto, Paris emergiu como um refúgio cultural para artistas, escritores e expatriados americanos. A cidade oferecia liberdade criativa e hedonismo, mas também era um espaço onde os traumas da guerra eram mascarados por excessos.
O deslocamento para a Espanha, por sua vez, representava uma tentativa de fuga. A tourada, tão central na narrativa, simbolizava tanto a violência latente da guerra quanto a busca de autenticidade em um mundo marcado pela superficialidade. A mudança constante de cenários – de Paris para o campo espanhol e, depois, para Pamplona – reflete a inquietação de uma geração que não conseguia encontrar raízes em lugar algum.
Os personagens de Hemingway exemplificam a Geração Perdida. A guerra deixou muitos incapazes de se conectar com valores tradicionais como patriotismo, religião e trabalho. Jake Barnes, um veterano que sofreu uma lesão que o deixou impotente, simboliza a masculinidade ferida e o desencanto pós-guerra. Brett Ashley, com sua beleza e comportamento libertino, representa a independência feminina crescente, mas também o vazio emocional que permeava essa busca por liberdade. A obsessão pelo álcool, as festas incessantes e os relacionamentos superficiais são tentativas de preencher um vazio existencial. No entanto, esses excessos não trazem satisfação duradoura. O consumo desenfreado e a busca por prazer imediato eram formas de anestesiar o medo de mais uma guerra, que eventualmente se concretizaria com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
É forçoso acreditar que o momento em que vivemos é semelhante aos dilemas da Geração Perdida. Em um mundo marcado por guerras, crises globais, como pandemias, mudanças climáticas e instabilidade política, muitas pessoas recorrem ao hedonismo ou à superficialidade em suas ações para escapar da realidade. Tudo é muito fluído e rápido como diz Baumanm nada mais é duradouro. O consumo excessivo, a busca por validação instantânea e o sentimento de desconexão são ecos claros do vazio existencial que Hemingway capturou.
No entanto, assim como no romance, há uma mensagem subjacente de resiliência. Apesar do desamparo, os personagens seguem em frente, encontrando momentos de beleza na natureza, na amizade e até nas tragédias que testemunham. Essa ambiguidade é um lembrete de que a vida, mesmo em sua imperfeição, vale a pena ser vivida.
Hemingway não aponta um caminho a seguir e nisso ele acerta, “O Sol Também se Levanta” é atemporal sobre como o ser humano lida com o trauma e a incerteza. A Geração Perdida, apesar de suas falhas, busca encontrar um propósito em meio ao caos.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
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