Futebol, fumaça e fraudes: o Brasil dribla a realidade

30/04/2025 as 3:08 pm

Caros leitores,

Na terra onde escândalo tem prazo de validade e polêmica rende mais clique que prestação de contas, bastou uma camisa vermelha — sim, vermelha — para ofuscar bilhões desviados e um rastro de corrupção que vai do INSS ao aplicativo da Caixa. O Brasil, habituado a tratar a política como entretenimento e o noticiário como novela das nove, teve mais uma de suas semanas exemplares.

A história é simples (e absurda): bastou circular o boato de que a Seleção Brasileira poderia estrear um uniforme vermelho na Copa de 2026 para o país entrar em combustão. Redes sociais em chamas, comentaristas em fúria e patriotas indignados prontos para invadir o Maracanã com tochas e cartazes. O verde-amarelo foi ao chão — junto com qualquer possibilidade de um debate sério sobre os R$ 6,3 bilhões evaporados no INSS ou os mais de R$ 2 bilhões que escorreram pelo ralo do Caixa Tem.

Eis o Brasil em sua forma mais pura: quando o assunto é grave, desviamos o olhar. Mas, se mexerem na camisa da Seleção, aí sim — é guerra santa. Platão, que já desconfiava da nossa atração pelas sombras da caverna, se sentiria em casa por aqui. Porque, se há algo que o brasileiro ama mais do que novela, é uma boa cortina de fumaça. E, se ela vier tingida com o vermelho do comunismo imaginário, melhor ainda.

A CBF correu para dizer que tudo não passava de “rumores infundados” — como se a desconfiança tivesse surgido espontaneamente, sem a ajuda de um marketing mal calculado ou da velha compulsão nacional por teorias conspiratórias em verde e amarelo.

Enquanto isso, nos bastidores da pátria, fraudes bilionárias são tratadas com a mesma urgência de um impedimento mal marcado. O escândalo no INSS, que deveria ser manchete permanente, virou nota de rodapé. Afinal, o que são bilhões desviados diante da ameaça de uma camisa fora da paleta patriótica?

Do ponto de vista da política — a séria, não a das hashtags —, a situação é ainda mais grave. Vivemos um momento em que a gestão da agenda pública se assemelha a um número de ilusionismo: o mágico mostra uma mão, enquanto a outra desvia os cofres. A camisa vermelha foi só o coelho tirado da cartola para distrair a plateia enquanto mais um rombo se abria (de novo).

Hegel, esse chato necessário, alertava sobre as contradições históricas que geram rupturas. E o Brasil é hoje uma contradição ambulante: um país que se indigna com a cor de uma camiseta, mas se anestesia diante de escândalos que corroem o presente e sabotam o futuro. Uma sociedade que grita pelo símbolo e silencia diante da realidade.

Talvez estejamos mesmo condenados ao espetáculo. Vivemos no feed, reagimos ao meme, votamos pela emoção e nos informamos por manchetes. E, nesse teatro de fumaça, a verdade — essa senhora grisalha e sem filtros — perde espaço para o drama fabricado da semana.

E aqui estamos, mais uma vez, debatendo o tom de uma camisa enquanto o dinheiro público é saqueado, e o Brasil — esse eterno enredo — continua empurrado para os bastidores da história por sua própria distração.

Um abraço elegante, levemente irônico, mas ainda esperançoso — porque, se ainda estamos discutindo, talvez haja salvação. Desde que ela não venha costurada em vermelho.

Editor!

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