Lady Gaga no palco, o Rio no caos

04/05/2025 as 1:00 pm

Caros leitores,

Costumo escrever sobre Manaus e os desafios do Amazonas. Mas, diante do que assistimos neste fim de semana, proponho um pequeno desvio geográfico — embora não temático. Porque insegurança, falta de prioridades e espetáculos financiados com dinheiro público não têm CEP: são endemias nacionais. E, neste domingo, o palco foi o Rio de Janeiro.

A cidade maravilhosa virou trending topic, não pelos tiroteios em comunidades ou pelos recordes de assaltos a turistas, mas por causa de um megashow internacional. Lady Gaga, diva do pop, desembarcou em Copacabana para um show gratuito que reuniu 2,1 milhões de pessoas. Foguetes, telões, segurança privada, drones, holofotes. Um êxito de produção. Um deslize de prioridades.

Enquanto os gritos de Bad Romance ecoavam pelas ondas do Atlântico, os moradores do Rio seguiam com medo de sair à noite. Segundo a Forbes, a cidade está entre as mais perigosas do mundo para turistas. E, como se não bastasse, o evento custou R$ 92 milhões — parte desse valor, bancado com recursos públicos. A pergunta é inevitável: é razoável gastar quase cem milhões com um show enquanto faltam serviços básicos?

Platão, se ainda habitasse sua caverna, talvez levantasse uma sobrancelha. Em A República, dizia que o bom governante deveria se guiar pela razão e pelo bem comum. Maquiavel, mais pragmático, nos lembraria que o príncipe moderno prefere entreter a plebe a enfrentá-la. Um povo entretido, afinal, não cobra, não exige, não derruba. Mas convenhamos: transformar a orla de Copacabana num disfarce de estabilidade institucional é um teatro que flerta com o trágico.

Não se trata de um manifesto contra a cultura — nem contra Lady Gaga, que, convenhamos, tem mais repertório que muito secretário de Cultura. O problema é quando a cultura vira pretexto — ou pior, cortina de fumaça. O Rio, como tantas outras cidades brasileiras, precisa de espetáculos menos efêmeros e mais estruturais: escolas em pleno funcionamento, policiamento eficaz, hospitais equipados. O show não pode ser o plano de governo.

Vivemos num país em que a classe política aprendeu a entreter antes de resolver. E isso tem custado caro. O Rio de Janeiro não precisa de mais palcos. Precisa de gestão, coragem — e um pouco de vergonha.

Um abraço elegante, mas inconformado.

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