A maioria das pessoas acredita que o niilismo é pura e simplesmente a descrença nas coisas ou alguém que não vê sentido em nada, mas o niilismo é um conceito central na filosofia de muitos pensadores, para Nietzsche, o niilismo reflete a crise de valores e significados na cultura ocidental e o declínio da crença na religião cristã e nos valores absolutos que ela sustentava.
Albert Camus foi um escritor francês que abordou muito o niilismo em suas obras, ele escreveu o livro “O Estrangeiro”, uma obra revestida de niilismo e da alienação humana. Publicado em 1942, durante os sombrios anos da Segunda Guerra Mundial, o romance captura o espírito de uma época marcada por uma profunda crise existencial e pela ascensão do totalitarismo na Europa.
“O Estrangeiro” narra a vida de Meursault, um homem pra lá de mediano e apático que vive na Argélia colonial francesa. A história começa com a notícia da morte de sua mãe, um evento que Meursault recebe com uma indiferença perturbadora, Camus inicia o livro desta forma: “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.’ Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.”
Em momento algum Meursault demonstra sinal de tristeza ou luto para as pessoas ao seu redor. Diz, inclusive que não quer ver o corpo da mãe tentando escapar daquela situação, o que causa revolta nas pessoas que estão no funeral.
Ao longo do romance, sua atitude desinteressada e desapegada diante dos acontecimentos da vida, incluindo um relacionamento amoroso revelam uma desconexão fundamental com a sociedade. Mas o ponto alto do comportamento blasé de Mersault é um assassinato cometido por ele. Mersault está passando um fim de semana na praia com Raymond e eles avistam o irmão da ex-namorada de Raymond junto com outro árabe, que Raymond afirma estar seguindo-o ultimamente. Os árabes se desentendem e ferem Raymond com uma faca. Depois disso Mersault está sozinho na praia, armado com um revólver e ofuscado pelo sol dispara quando o árabe aponta a faca para ele. O tiro é fatal, mas, após uma pausa, Mersault atira no homem mais quatro vezes.
Então Mersault explica que o assassinato ocorreu por causa do sol. Nesse momento do livro o leitor fica pasmado! Como pode existir alguém assim? Sua indiferença, apatia e despreocupação irrita todos os que estão à sua volta. Meursault é julgado não apenas por seu crime, mas por sua falta de conformidade com as normas sociais e emocionais. Sua incapacidade de se encaixar nas expectativas da sociedade acaba sendo vista como uma ameaça, resultando em sua condenação à morte.
Camus utiliza Meursault para escancarar a indiferença existencial em que muitas pessoas vivem. “Não estou nem um pouco preocupado, não é comigo”. A aparente falta de emoções de Meursault é uma resposta à absurda realidade de um mundo que parece desprovido de propósito e justiça. A justiça que o condena não é por seu ato de homicídio, mas por sua recusa em jogar o jogo social, em fingir emoções que não sente.
No contexto do período entre guerras, “O Estrangeiro” reflete a desilusão e a desesperança que permeavam a sociedade europeia. A Primeira Guerra Mundial havia deixado uma marca indelével, e a ameaça crescente do totalitarismo nos anos 1930 e 1940 alimentava um sentimento de incerteza e desespero e porque acreditava-se que a qualquer momento poderia haver um evento ainda pior do que a própria Guerra. Houve o holocausto contra os judeus e logo depois houve o lançamento das bombas no Japão.
Hoje, observamos um mundo novamente confrontado com incertezas e conflitos, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A desilusão e a alienação são sentimentos comuns em uma era de polarização política e crises globais. A indiferença de Meursault pode ser vista em como muitas pessoas hoje se sentem desconectadas ou impotentes diante de eventos globais que parecem estar fora de seu controle e O Estrangeiro continua sendo uma obra relevante para entendermos os dias atuais.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
Foto: Reprodução