Luiz Bacellar, foi um poeta e também um dos mais importantes nomes da literatura amazonense, contemporâneo da geração do Clube da Madrugada escreveu poesia de cunho popular, haicai, poesia de estilo clássico e barroco, tendo várias obras que atestam a sua genialidade.
O livro Frauta de Barro foi lançado em 1963, porém o apelo urbano de uma cidade já decadente naquela época ainda perdura até os dias de hoje. Em seus poemas, a cidade de Manaus é protagonista, onde os personagens são as árvores, as mangueiras e a arquitetura tradicional, das portas, das calçadas e dos becos esbarra e luta, sempre perdendo para modernidade.
Nas décadas de 50 e 60, há muito que o fausto da borracha já havia acabado, sendo Manaus letárgica e distante das metrópoles. Uma cidade de contrastes: ruas com nomes aristocráticos ao lado de vielas abandonadas, casarões em ruínas frente a barracos improvisados. Assim, Bacellar se utiliza de toda memória dos bairros esquecidos em seu mote poético.
Bacellar compila imagens da cidade em transformação — não mais a capital dos tempos áureos da borracha, mas um espaço em decadência silenciosa e melancólica. Seus versos capturam a existência comum: o homem solitário, o velho bairro, a casa que resiste, o sentimento de perda.
Enquanto outros autores locais se concentravam em exaltar a natureza, o folclore ou os símbolos regionais, mais que isso Bacellar se recusava a ser mais um poeta a cantar unicamente os versos da floresta, direcionando o seu olhar para o urbano, o concreto, o que é humano e decadente, trazendo uma sofisticação estética rara para o cenário literário local.
No livro Frauta de Barro estão os bairros de Aparecida, Educandos, Bairro do Céu e Cachoeirinha sem o glamour da Belle Époque. Não há espaço para romantismos nem a inocência folclórica e Manaus aparece decadente quase agônica. Está no livro também a memória da infância como no poema que dá nome ao livro:
“Em menino achei um dia bem no fundo de um surrão um frio tubo de argila e fui feliz desde então; rude e doce melodia quando me pus a soprá-lo jorrou límpida e tranquila como água por um gargalo”.
Canta os acontecimentos de uma cidade onde lei e ordem eram coisas vãs como nas histórias do beco do Pau-não-cessa e o Beco Chora vintém.
Mas, Bacellar não perde o lirismo ao mesmo tempo que é tributário da tradição europeia de que tanto se orgulhava, ele descreve com uma sensibilidade que traz de forma orgânica o falar, os sons e cheiros da capital. Atesta isso o poema Receita de Tacacá Ponha, numa cuia açu ou numa cuia mirim burnida de cumatê: camarões secos com casca, folhas de jambu cozido e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando, o caldo de tucupi depois tempere a seu gosto:um pouco de sal e pimenta malagueta ou murupi Quem beber mais de 3 cuias bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere na esquina do purgatório.
Impossível não lembrar das tacacazeiras do centro de Manaus.
Recentemente caminhando pelo centro de Manaus, percebi a assertividade dos poemas de Bacellar como no fantástico soneto Noturno do Bairro dos Tocos:
“Há tanta angústia antiga em cada prédio! Em cada pedra nua e gasta. E agora. Em necessário pranto que demora. Amargo verso vem como remédio.
Pelos sonhos frustrados em cada hora. Da ingaia infância. Madurando o tédio. Pelos becos turvos, porque exige e pede-o. Inquieta solidão que assiste e mora.
Em cada tronco e raiz, calçada e muro: Chora-Vintém, O-Pau-Não-Cessa* . Impuro Derrama-se um palor de lua morta
Nas crinas tristes, no anguloso flanco: Memória e angústia fundem-se num branco Cavalo manco numa rua torta”.
E o centro de Manaus é isso mesmo, uma sensação de abandono e uma escuridão: “muita angústia antiga em cada prédio! Noites de uma palidez deprimente de uma metrópole claudicante como um cavalo manco.
Bacellar escreveu também outras obras: Quatro movimentos, um livro de poesia já no formato de sonetos clássicos e barrocos do tipo As Quatro Estações europeia.
Haicais minimalistas e também devidamente belos e delicados e Sol de Feira onde vai a fundo no sabor da nossa frutaria. Bacellar é por excelência o poeta da urbe Manaus.
Paulo Albuquerque – Formado em Tecnologia Florestal, instrutor de informática e conectado em Literatura, Sci-Fi e Cultura Pop.
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