Olá, leitores do Fato! Nas últimas semanas foi notícia em diversos portais de notícias, especialmente entre os mais ligados ao mundo jurídico, declarações feitas pelo Ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre a quantidade alta de Reclamações Constitucionais apresentadas perante a Corte Suprema contra decisões proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho.
A Reclamação Constitucional é, em resumo, uma medida judicial por meio da qual se busca garantir a autoridade de um Tribunal sobre determinadas decisões e, conforme estatísticas, esse ano, a maioria das reclamações apresentadas ao STF são de matéria trabalhista, especialmente sobre reconhecimento de vínculo empregatício, tema objeto de amplo debate e diversas controvérsias entre o TST e o STF. Mas meu objetivo aqui é fazer um questionamento – e respondê-lo, obviamente – que pode parecer muito simples para aqueles familiarizados com a matéria, mas pode deixar muitas dúvidas na mente de muitos outros: toda prestação de serviço configura vínculo empregatício? E a resposta é não.
O vínculo empregatício somente é caracterizado quando estão presentes TODOS os requisitos previstos no art. 3º da CLT, a saber: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Ou seja: a ausência de qualquer um dos requisitos impede que a relação seja reconhecida como sendo de emprego, também popularmente conhecida como “celetista”. E o que significa cada um dos requisitos da relação de emprego? A pessoalidade significa que o serviço deve ser realizado pessoalmente pelo trabalhador, pessoa física, que não pode ser substituído por outra pessoa, pois sua contratação se deu em razão de características próprias do empregado, consideradas adequadas à função.
A não eventualidade, por sua vez, resta caracterizada quando a prestação de serviço ocorre de forma continuada no tempo, não necessariamente de forma contínua, todos os dias, mas deve existir uma previsibilidade acertada, ainda que tacitamente, pois aquela prestação de serviço é esperada.
A relação deve ser onerosa, ou seja, é uma relação bilateral, cabendo a uma parte a prestação de serviço e à outra a contraprestação pecuniária, ou seja, pagamento de salário.
Por fim, considerada por muitos autores como o requisito mais importante na caracterização da relação empregatícia, a subordinação. Isso significa que o trabalhador presta seus serviços segundo o direcionamento de outrem, acatando as regras do estabelecimento e se sujeitando às ordens do empregador.
Dito isto, natural que venha a mente diversas atividades que são realizadas sem a presença de, pelo menos, um dos requisitos mencionados, de maneira que essas relações poderão ser consideradas trabalhistas, mas não empregatícias, estando sujeitas a outros regramentos e não à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Pode parecer confusa a distinção entre trabalho e emprego, mas não é, e posso citar relações trabalhistas que não são relações empregatícias, pela ausência de um dos requisitos para tal, por exemplo o trabalho voluntário, pela falta de onerosidade, o serviço do advogado associado, que não está subordinado a um escritório, o representante comercial, que presta serviços por sua conta e risco, um pintor ou pedreiro contratado para realizar um serviço específico em uma casa ou empresa, de forma eventual, entre outros.
Evidente que, como em qualquer outra relação, é possível – e até comum – a tentativa de fraude, quando, mesmo presentes os requisitos da relação de emprego, o tomador dos serviços (contratante) não a reconhece e não faz o devido registro na CTPS. Nesse caso, evidente que o Judiciário deve agir, a fim de assegurar o repeito aos direitos constitucionalmente assegurados a essa classe de trabalhadores.
No entanto, não se pode negar que nosso ordenamento comporta sim a existência de outras modalidades de contratação, outras formas de trabalho, e não apenas a relação empregatícia protegida pela CLT, de maneira que os conceitos devem ser respeitados, assim como a autonomia das partes, sem que se presuma a ocorrência de fraudes nas contratações.
Driely Atem é Advogada, sócia do Escritório Souza e Atem – Advocacia Empresarial.E-mail: contato@souzaeatem.adv.br Instagram: @souzaeatem
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