Alfredo Filho

BYD, o voo alto que me faz lembrar a queda da Citroën

REDAÇÃO

19/06/2025 as 2:48 pm

O feito da BYD em maio foi impressionante. Superar a Toyota no varejo e alcançar 8,86% de participação nas vendas de veículos leves no Brasil não é pouca coisa. Em um mercado tão competitivo, a marca chinesa já ocupa a quarta posição no ranking de vendas ao consumidor final. No geral, considerando vendas diretas e frotistas, ficou em sétimo, ainda assim superando nomes consagrados como Hyundai, Honda, Jeep e Caoa Chery. E não para por aí: a BYD hoje reina absoluta no segmento de elétricos, com mais de 80% de participação e com o Dolphin Mini entre os cinco hatches mais vendidos do país, superando até modelos tradicionais a combustão.

Se olharmos apenas os números, o cenário parece brilhante, mas minha experiência me obriga a fazer um paralelo incômodo, e bastante didático, com um capítulo recente da nossa indústria: a história da Citroën no Brasil no início dos anos 2000.

Quem viveu aquele momento sabe. A Citroën desembarcou por aqui com força, sustentada por um discurso de modernidade e tecnologia. C3, C4 Hatch, C4 Pallas, Grand C4 Picasso, C5, Xsara Picasso… todos ostentavam design arrojado, soluções de conforto inovadoras e uma eletrônica quase futurista para o mercado brasileiro da época. Cockpit digital, comandos eletrônicos, suspensões sofisticadas, segurança ativa e passiva, tudo parecia coisa de outro mundo, e o brasileiro adorou. Durante alguns anos, a Citroën foi a queridinha de quem buscava sair do óbvio e dirigir algo diferente.

Mas o encantamento durou pouco. Vieram as dores de cabeça: manutenção cara, demora absurda na reposição de peças, forte desvalorização na revenda. A partir de 2013, com a crise da PSA e o congelamento dos investimentos na fábrica de Porto Real (RJ), a Citroën entrou em um hiato fatal. Enquanto seus concorrentes lançavam SUVs moderninhos e ampliavam suas redes, a Citroën ficou sem novidades e com um portfólio cada vez mais limitado. O fechamento de concessionárias comprometeu o pós-venda, alimentando ainda mais a fama de marca de manutenção complicada. No fim, aquele consumidor que no início amava a tecnologia e o design francês passou a ver a Citroën como uma escolha arriscada. E a marca, que começou com status de “high-tech acessível”, tornou-se um peso difícil de carregar.

Agora, voltando à BYD. A história é diferente? Sim e não. Diferente na tecnologia, a BYD lidera nos elétricos num momento em que o Brasil olha para a eletrificação com mais seriedade. Mas semelhante na velocidade com que cresceu e no apelo inicial ao consumidor encantado com o “novo”. Assim como a Citroën no passado, a BYD entrega hoje algo que muitos não encontravam em outras marcas: design moderno, soluções avançadas, preço competitivo no universo dos elétricos e, claro, um discurso agressivo de expansão de rede, atualmente já são 180 concessionárias.

Mas o crescimento acelerado cobra seu preço. Na China, a montadora já enfrenta uma crise séria, com o fechamento de mais de 20 concessionárias e centenas de clientes lesados. No Brasil, além de questionamentos sobre o real grau de industrialização da sua “fábrica” de Camaçari, a BYD ainda se vê envolvida em uma delicada investigação do Ministério Público do Trabalho por denúncias de trabalho análogo à escravidão.

O ponto é simples: vender rápido não é sinônimo de construir uma marca sólida. A Citroën ensinou essa lição ao mercado brasileiro há não muito tempo. O desafio da BYD agora não é mais emplacar, é sustentar esse crescimento com uma estrutura robusta de pós-venda, assistência técnica de qualidade, política eficiente de reposição de peças e, principalmente, uma relação transparente com seus clientes e com o país.

Na próxima semana, sigo acompanhando, com lupa e memória de quem já viu esse filme antes, o que o futuro reserva para a BYD e para o nosso sempre imprevisível setor automotivo. Até lá!

Alfredo Filho – Consultor de marketing automotivo, apaixonado por carros. Nos últimos dez anos de sua carreira profissional, participou do desenvolvimento de campanhas de comunicação e marketing.

Foto: istock

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