O avanço da tecnologia no ambiente corporativo levantou importantes questionamentos jurídicos sobre os limites do poder diretivo do empregador, especialmente quanto ao monitoramento dos computadores utilizados por seus empregados. É legal o monitoramento constante dessas ferramentas? Quais os limites impostos pela legislação brasileira? E mais: pode o empregador responder criminalmente se violar direitos fundamentais do trabalhador nesse processo?
O artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que cabe ao empregador dirigir a prestação de serviços de seus empregados, o que inclui fiscalizar o uso dos meios fornecidos para o desempenho do trabalho, como computadores, e-mails corporativos e sistemas internos. Nesse contexto, o monitoramento dessas ferramentas pode ser considerado uma extensão legítima do poder diretivo empresarial.
No entanto, esse poder não é absoluto. Ele deve ser exercido em consonância com os direitos fundamentais da personalidade, especialmente o direito à intimidade, à vida privada e ao sigilo das comunicações, garantidos pelo artigo 5º, incisos X e XII da Constituição Federal.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem buscado equilibrar o direito do empregador ao controle de sua empresa com os direitos fundamentais do empregado. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionaram sobre o tema, especialmente em relação à proporcionalidade, transparência e finalidade do monitoramento.
No Recurso Especial nº 1.009.597/SP, o STJ reconheceu a licitude do monitoramento de e-mails corporativos quando realizado dentro dos limites legais e previamente informado ao trabalhador. A Corte reforçou que não há violação de correspondência quando se trata de ferramentas fornecidas pela empresa para fins exclusivamente profissionais.
O STF, ao analisar o tema da expectativa de privacidade no ambiente de trabalho, ainda que não tenha enfrentado diretamente o monitoramento de computadores, consolidou entendimento sobre a necessidade de proteger a intimidade dos indivíduos mesmo em ambientes corporativos, principalmente em casos que envolvam tratamento de dados pessoais.
Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018), o tratamento de dados pessoais no ambiente de trabalho passou a exigir ainda mais cautela. A lei determina que qualquer coleta e uso de dados, inclusive os oriundos de ferramentas de trabalho, deve seguir os princípios da finalidade, necessidade, adequação e transparência, bem como ter base legal válida (artigos 7º e 8º da LGPD).
Dessa forma, o monitoramento integral e oculto, sem ciência prévia do empregado, pode configurar violação à LGPD e aos direitos fundamentais da personalidade.
O monitoramento de computadores e sistemas pode ocorrer, inclusive de forma constante, desde que: O empregado tenha sido informado previamente, de forma clara e inequívoca; O monitoramento se restrinja a fins estritamente profissionais; Seja respeitada a expectativa legítima de privacidade – por exemplo, não se admite o acesso a dados ou contas pessoais acessadas no computador; Haja política interna de tecnologia e segurança da informação devidamente divulgada; O tratamento de dados respeite a LGPD.
O desrespeito a essas condições pode tornar o monitoramento ilícito e ensejar sanções civis, administrativas e até criminais ao empregador.
O empregador que acessa ou intercepta comunicações privadas do empregado, sem autorização ou justificativa legal, pode sim ser responsabilizado criminalmente. O artigo 10 da Lei nº 9.296/96, que trata da interceptação de comunicações, estabelece que é crime interceptar, sem autorização judicial, o fluxo de comunicações de qualquer natureza.
Além disso, o artigo 154-A do Código Penal, incluído pela Lei nº 12.737/2012 (conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”), tipifica como crime a invasão de dispositivo informático alheio, ainda que de propriedade do empregador, caso a conduta ultrapasse os limites do consentimento e da legalidade.
Por fim, o monitoramento de computadores no ambiente de trabalho é permitido, mas deve obedecer a critérios legais, éticos e constitucionais. O empregador deve adotar políticas transparentes e agir com respeito à intimidade do trabalhador. O abuso desse poder pode gerar responsabilidade civil, trabalhista e até criminal.
Em tempos de digitalização das relações de trabalho, o equilíbrio entre controle e privacidade é não apenas desejável, mas legalmente exigido.
Marcelo Souza é advogado, sócio do Escritório Souza – Advocacia EmpresarialE-mail: contato@souzaeatem.adv.br
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