Milhares de consumidores foram pegos de surpresa e, ao mesmo tempo, sentiram-se enganados com o comunicado publicado no mês de agosto deste ano pela empresa 123 Milhas, que informou a impossibilidade de emitir os bilhetes das viagens adquiridas pelos seus clientes, de setembro a dezembro de 2023, sob o argumento que o mercado de passagens aéreas era atípico e havia se inclinado no sentido oposto ao previsto, com um aumento substancial do preço. Tratou ainda de afirmar que não era agência/operadora de viagens e sim uma empresa de tecnologia. Informou que os recursos recebidos de seus clientes seriam convertidos em créditos que poderiam ser utilizados na aquisição de novos bilhetes, desta feita pelos preços praticados usualmente no mercado.
Paralelamente a esse comunicado a empresa 123 Milhas protocolou na Justiça de Minas Gerais um pedido de Recuperação Judicial, o que foi acatado.
Pois bem, em linhas gerais, o processo de recuperação judicial visa assegurar à empresa solicitante um prazo maior para liquidação de suas dívidas ativas, bem como tem o fim de promover entre os credores um certo grau de certeza de que irão receber seus créditos. Logo de início é efetuada a suspensão de cobranças, o que possibilita ao devedor um tempo para geração de receita, com o consequente aumento do caixa disponível.
No cenário pós-pandêmico, a Recuperação Judicial, prevista na Lei nº 11/101/2005 e atualizada pela Lei nº 14/112/2020, surge como um importante aliado dos empresários e sociedades empresárias, pois tem como objetivo principal evitar o encerramento definitivo de uma organização e, ao mesmo tempo, recuperar a função social da atividade empresarial, desenvolvendo e circulando riquezas, de modo a permitir a continuidade também da oferta de bens e serviços aos consumidores, aumentando a concorrência entre os agentes econômicos e o livre comércio.
Ocorre que o instituto jurídico, criado para fins legítimos e desejados pela sociedade, pode ter sua finalidade desvirtuada, na medida em que os legitimados a requererem a Recuperação Judicial, o façam de má-fé, abusando do direito que lhes é concedido apenas para se eximir de responsabilidades, burlando regras legais e morais para gozarem injustamente dos benefícios garantidos por um plano de recuperação aprovado. Logo, o Poder Judiciário necessita fortalecer ainda mais a segurança jurídica considerando a lacuna existente, já que a falta de previsão e responsabilização do abuso de direito abre espaço para esse tipo de conduta ilícita.
Não se pode perder de vista que a empresa 123 Milhas, mesmo diante de um cenário econômico desfavorável, oferecia aos consumidores um produto com preço excessivamente inferior ao praticado no mercado. Ora, parece que a intenção da empresa, ao menos neste último ano, era apenas receber recursos financeiros e aumentar seu caixa, sem o efetivo compromisso em cumprir com as obrigações que lhes eram impostas à cada venda.
Importante para todos os envolvidos que essa situação se resolva. Para os empresários, que possam cumprir com as obrigações previstas no plano de recuperação, instituto jurídico colocado à sua disposição e que tem como principal função evitar que sucumba diante de um cenário que lhe é desfavorável. E também para os consumidores que precisam receber seus créditos, ou equivalentes, de forma célere e correta.
Acompanharemos o desenrolar dos fatos.
Grande abraço. Saúde.
Marcelo Souza é advogado, sócio do Escritório Souza e Atem – Advocacia EmpresarialE-mail: contato@souzaeatem.adv.br
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